quarta-feira, 12 de março de 2014

O inovador mundo de 'Gravidade'


Aviso: Contém informações reveladoras sobre a trama (SPOILERS)

Desde que assisti Gravidade no cinema, fiquei pensando sobre a narrativa incomum do filme e de como ele conseguiu fazer sucesso em Hollywood sem aparentemente ser um típico filme hollywoodiano.


Antes de falar dos bastidores, que também são uma história à parte sobre esse filme, queria abordar o próprio enredo do longa e de como ele dialoga com os elementos visuais e sonoros. Acredito estes serem os grandes méritos desse filme, conectados com a inspiradora interpretação de Sandra Bullock.

Algo curioso que notei logo de cara, é o título. A gravidade é quase inexistente. Quase, se não fosse pelo final, em que Ryan Stone finalmente chega à Terra. Então por que o filme se chama Gravidade? Porque a gravidade que esse filme fala, não é apenas literal, ela é uma grande metáfora.

A história começa com o que parece ser uma simples missão para acoplar uma câmera protótipo no famoso telescópio Hubble. Ryan Stone, uma engenheira médica, é a responsável por essa instalação. Ela não é uma típica astronauta, apenas recebeu todo o treinamento para estar no espaço para cumprir seu papel no experimento.


O nome da personagem já chama a atenção por ser um nome masculino. Curiosamente, o diretor de Gravidade, o mexicano Alfonso Cuarón, chegou a ser orientado para colocar um homem no papel de protagonista do filme, pois seria mais apropriado para uma produção de grande orçamento com um personagem forte em destaque. Cuarón bateu o pé e manteve sua heroína, uma decisão não apenas sábia, mas digna. O mundo do entretenimento precisa de mais representação feminina.


Os demais personagens, que literalmente orbitam ao redor de Ryan, são mero coadjuvantes nessa história. Alguns deles são praticamente figurantes. Quem vem de fato no assento de passageiro é Matt Kowalski (George Clooney), um experiente astronauta que serve como um catalisador para os sentimentos de Ryan (e eventualmente o alívio cômico do filme). Quando os problemas com a missão começam a acontecer, ele é quem a guia em direção à sua salvação.



Stone luta pela sobrevivência, mais por seu instinto humano do que por sua vontade própria. Sobreviver significa retornar à Terra. E o que a atrai à Terra? Que motivos ela teria para voltar? Desde o início da missão Stone se mostra séria e apática. Ela se sente desconfortável no espaço, mentalmente e fisicamente. Você percebe desde o começo do longa que algo de impactante aconteceu na vida dela e que isso a deixou apática.

Os diálogos do filme são poucos. Servem como um termômetro para as emoções. As palavras tem pouca importância nessa história. Os gestos, as expressões e a trilha sonora contam mais da história do que as palavras de Ryan ou de Matt.


Descobrimos que ela perdeu a filha, ainda criança. Ela nunca superou essa perda. E esse é o principal motivo desse filme existir: a necessidade de superação. O que poderia atrair novamente essa mulher para a Terra, quando não há nada para se retornar? A gravidade que a mantinha com os pés no chão simplesmente desapareceu. A fala de Matt, vindo do inconsciente de Ryan é o grande empurrão que ela precisa para concluir sua jornada, que também resume de forma bem simples a apatia da engenheira até esse momento:

Quer voltar ou ficar aqui? Eu sei, é bacana aqui em cima. Você pode desligar todos os sistemas. Desligar todas as luzes. Fechar os olhos e esquecer de tudo. Ninguém pode machucar você aqui. É seguro. Por que seguir em frente? Por que viver?
Sua filha morreu. Não há nada pior que isso. Mas a questão é o que vai fazer agora. Se decidir voltar para a Terra, vá em frente. Relaxe e aproveite a viagem.
Coloque os pés no chão e comece a viver.



A reflexão faz a Dra. Ryan Stone encontrar uma solução para sua aparente rua sem saída. E o resto é começo do fim.

A gravidade, essa sim física e certa, também representa um novo desafio. Não sei se uma pessoa consegue ficar de pé daquela forma depois de uma semana sem gravidade, mas a cena é tão simbólica que essa tecnicalidade pode ser desculpada.


Ao final dessa jornada, você percebe que Gravidade não é um filme sobre o espaço, mas sim sobre pessoas. Pessoas encarando seus medos, buscando uma motivação para prosseguir, mesmo com tantas desavenças. E é exatamente isso o que acaba o tornando um pouco hollywoodiano.


O espaço é um cenário perfeito para essa história, pois sua imensidão é tão assustadora quanto os medos que nos afligem. O filme começa dizendo que vida no espaço é impossível, é não é à toa. Esse espaço real é mais uma metáfora para explicar a vida: não se pode viver isolado do mundo, sem nada que te prenda à vida.

Essas mensagens podem parecer óbvias. E elas são. Não há aqui a intensão de ser "difícil". Muitas pessoas se perguntam como um filme desse consegue atingir um público tão grande, rendendo tanto dinheiro. São os efeitos especiais? Os atores de primeira linha? - Eles são apenas parte de uma equação.

Vale também mencionar que os enquadramentos de cena (os planos) são tão estranhos quanto o ambiente sem gravidade. E por serem tão soltos quanto um corpo flutuando sem as leis terrestres da física, eles conseguem nos transportar mais facilmente para um ambiente tão longe de nossa realidade.



A sequência em que Stone se desprende do satélite é um grande exemplo de como os enquadramentos fora do padrão conseguem trazer o telespectador para "dentro do filme". Você certamente não viu em nenhum outro lugar a perspectiva objetiva de câmera atravessar o visor de um capacete e se transpor para visão subjetiva de um personagem, incorporando o ambientes sonoro e claustrofóbico que ele vive, para depois se afastar, voltar à posição objetiva e transpor o visor novamente para fora do capacete.




A narrativa também faz uso de imagens simbólicas na composição de planos, como nessa cena em que Ryan Stone aparece flutuando em posição fetal (num esforço imperceptível de Bullock), após ter se livrado da roupa de astronauta e entrado num ambiente com oxigênio e segurança. Até a adição de alguns dutos fazem menção ao cordão umbilical.


E a atenção nos detalhes também é notada, como as fotos e recortes deixados no interior da estação espacial, evidenciando as pessoas que passaram por lá antes.


Visualmente a falta de gravidade é bem representada, mesmo com algumas falhas, como o cabelo de Ryan, que só ficaria nessa posição se tivesse recebido uma boa dose de laquê. Mas isso obviamente seria improvável num situação dessa. Eles já optaram por um cabelo curto (no caso, uma boa peruca) para não terem que se preocupar com mais efeitos visuais.


Quase tudo o que vemos ao redor dos atores foi criado por computação gráfica. Novas técnicas para a filmagem tiveram que ser desenvolvidas porque muita coisa do que vemos nesse filme nunca foi feita antes. Apenas parte dos cenários fechados eram de fato físicos. E os atores tiveram que passar meses se acostumando com os fios que os seguravam. Sandra Bullock ainda teve um pouco mais de trabalho (não só por ter mais cenas) ensaiando os movimentos para que no momento das filmagens ela pudesse se concentrar apenas na atuação. A cena que falei antes, ela estava presa dessa forma:


Realmente não parece ser nada confortável.

Para finalizar esse texto sobre minhas impressões sobre o filme, vou deixar aqui alguns links de videos e matérias que me auxiliaram com informações técnicas sobre Gravidade. Há muitas outras curiosidade sobre esse filme que geraria um blog inteiro para falar só sobre ele. O objetivo principal foi passar minhas impressões pessoais e algumas curiosidades sobre essa grande obra. Se quiser ir mais a fundo no assunto recomendo:

- Matéria do Hollywoo Reporter
- Video Interesting Facts About 'Gravity'
GRAVITY "From Script to Screen" 

E mais algumas imagens interessantes de bastidores:





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